Escarlate #28 - Amores e Dragões

Escarlate #28 - Amores e Dragões

Um lampião sobre a mesa de trabalho ilumina aquela enorme quantidade de madeira. Madeira já empregada em móveis e madeira ainda em chapas, num canto. É noite e duas cadeiras inclinadas, um tanto quanto confortáveis para móveis feitos somente de madeira, estão logo ali, ocupadas por Willen e Zand.

Willen toma mais um gole de sua caneca e a deixa descansar sobre um criado mudo. Olha um pouco Zand em silêncio. Zand suspira e muda a direção do olhar para a casa e arredores. Tudo escuro, mal se pode ver qualquer coisa por aqui. O antigo mestre de Zand tem mesmo num lugar isolado para viver.

- Então, foi isso que aconteceu? - Finalmente Willen retoma o diálogo.

- Sim, resumidamente falando.

- Zand, meu jovem, você é um sujeito estranho, sabia? Não é comum uma pessoa se apaixonar por um dragão. Também não é comum uma pessoa ficar dez anos apaixonada por alguém sem nem ao menos ver essa pessoa por esse tempo. Na verdade, nem é comum um aventureiro se apaixonar de verdade!

- Como não? No seu grupo mesmo não teve o caso de Noune e... não lembro... Fentite?

- Sim, teve. Mas não era a visão romântica que costumam contar. Os dois começaram a ficar juntos e terminaram se cansando de aventuras, só isso.

- Entendo... - Zand fala, desconfiado das palavras do mestre.

- Sim, é assim mesmo. Ainda lembro uma vez que Noune me disse, num bar: “Willen, estou cansado dessa vida de correr riscos. Quero ter uma vida de gente agora. E agora que apareceu Fentite, vou aproveitar pra me aposentar e ir morar com ela”. Não sei quanto a você, mas não me pareceram palavras muito românticas. É a realidade.

- Mas há exceções. Toda regra tem uma exceção.

- Tem, e é você. Parece que você é a exceção de todas as regras, Zand! Deixe-me te dizer uma coisa sobre o mundo. Algo que os anos me ensinaram e faz com que eu não me arrependa de não ter me casado com ninguém. As pessoas não se casam quando estão apaixonadas. Elas se casam quando descobrem alguém com quem consigam conviver em paz, é diferente. Porque essa paixão sempre cai quando enfrenta o dia a dia. Você está assim com o dragão ainda porque vocês nunca tentaram realmente viver juntos. Toda essa paixão terminaria em pouco tempo. Esta é a dura realidade.

- Talvez tenha razão, Willen... Mas como disse que sou a exceção de todas as regras, isso me dá uma chance de que você esteja errado, pelo menos no meu caso.

- É, você é bom com argumentos. E acho que está certo. Cada um tem que viver a própria vida da maneira que achar melhor. Só acho que você devia era tentar matar um dragão e não se casar com ele.

- Muito engraçado...

- Ué, dragões não foram feitos pra isso? Se resolver matar o seu, não se esqueça de me chamar, hein?

- Acho melhor nem responder essa provocação. Mas me diga, mestre, você não se arrepende em nenhum momento de não ter uma família hoje?

- Não, não me arrependo. Vive o que pude por todo canto. Ter uma esposa hoje só me traria dor de cabeça. Já me basta a mim mesmo de velho pra ter que cuidar. Imagina dois velhos! Além do mais, Tila veio morar comigo. Tem coisa melhor? Aparecer uma filha pra cuidar do pai que está ficando velho? Ela é muito inteligente e comecei a ensinar a tradição de criar móveis a ela, sabia? Todo mundo em Efrea gosta dela e a aceita como vendedora dos meus móveis. Um dia, quando eu morrer, ela vai ser a carpinteira e vai fazer tudo muito bem feito. Vai ser uma revolução na cidade. Sei que não vão querer aceitar uma mulher como carpinteira – aceitar como vendedora já exige um esforço, imagina carpinteira -, mas vão ter que aceitar porque ela vai ser das melhores.

- Que bom!

- Também tenho ensinado alguns truques de combate...

- Você não tem jeito mesmo, hein?

- Claro! Filha de guerreiro tem que saber usar pelo menos uma espada! Quando ela estiver sozinha? Tem que ser capaz de se defender! Não quero filha minha apanhando e sendo violentada e roubada não!

- Tila, não é?

- É, Tila. Você tem que conhecer ela. Você seria um ótimo partido pra minha filha. Você sabe que valorizo muito mais a história de uma pessoa do que a quantidade de moedas de ouro e nesse aspecto você tem muito do meu respeito.

- Muito obrigado, é uma honra. Mas, como disse, já estou enrolado de mais com duas pra querer conhecer mais uma candidata.

- Bem você que sabe. A vida é sua. Você tem que fazer o que achar que é melhor pra você. Olha, acabou a bebida. Vamos dormir?

-- Cárlisson Galdino


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