Parte 6

Segunda-feira, 13 de julho. Em algum outro lugar, chegam seis bravos guerreiros - na verdade sete - com a singular missão de salvar o mundo.

Peter vê, da janela, os prédios e as ruas regularmente movimentadas. Tudo parece normal.

- Vocês têm certeza de que é aqui? - pergunta finalmente.

-Temos. - responde Áquos. - Os sinais de Kin-Rá apontaram pra cá.

Ele vê que o jeito é acreditar e esperar. Com a saída do corvo negro, o silêncio de Lunar deveria brilhar sozinho. Mas não é isso o que acontece. O Corvo está calado, segurando o punhal das serpentes - é dia, e seu portador ainda não apareceu - , está pensativo, provavelmente se lembrando de Tommy, que perdeu a vida para salvar a sua. Pensa também no espírito heróico. Antigamente era tão comum encontrar guerreiros. Heróis de verdade, no entanto, sempre foram raros. Mas quem não era herói normalmente acompanhava os que eram, por admiração e um desejo de aprender com eles a ser herói também, algum dia. Hoje eles perdem a esperança de forma tão fácil... O curioso é que desistiram justo os dois mais ofensivos.

Eles chegam onde deveriam chegar. São esperados por alguns repórteres.

- Quem são esses três...

- Vocês vêm em caráter...

- Vocês acham que vai se...

Passam pelos repórteres. Peter, que sempre cuidava desses assuntos, os ignora. O Corvo se vira para eles e diz.

- Melhor darem o fora daqui.

Depois disso, virou-se e foi com os outros. Infelizmente eles não entenderam a mensagem como deveriam. Não perceberam que era a cidade que todos deveriam deixar.

- Mesmo depois de sermos ameaçados por alguém vestido em uma armadura e segurando uma espada, nós não desistiremos. Estaremos por perto para que o telespectador do Canal Cinco seja, como sempre, o primeiro a saber.

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Eles entram em um enorme cemitério e se reúnem no centro, entre dois prédios: uma capela e uma outra menor. Ainda faltam alguns minutos para anoitecer, quando se espera que o tempo esquente.

- Cinco e quinze ainda... - reclama o corvo marrom.

- E por que a pressa? - o Corvo ironiza, fingindo esconder uma certa impaciência, ou talvez, aumentando uma que realmente tenha.

- Queria acabar logo com isso... - desabafa o líder dos corvos.

- Eu também, mas... Sabe de uma coisa? - Rose desativa a pedra do corvo rosa (como aprendeu e treinou nos últimos dias), enquanto traz no braço uma bolsa térmica. - Até que é bom termos esse tempo livre. ...ou se esqueceu de que precisa comer?

- É... Vai ver é um bom passatempo.

- Passatempo? - John repete, logo após retirar sua pedra, enquanto tira da bolsa dois sanduíches. - Olha, todos estamos tensos. Mas nem por isso vamos deixar de descansar e comer antes da noite. A propósito, pode nem ser esta, a noite. - e estende um dos sanduíches ao Peter.

- É. Acho que tem razão. Estou exagerando um pouco. - Ele aceita o sanduíche, remove a pedra do corvo marrom e começa a comer.

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Quando não tardaria o pôr-do-Sol...

- Não vejo a hora de acabar de uma vez com isso. - comenta Rose, reativando o poder do corvo rosa.

- Eu também... - o Corvo se levanta.

- Mas vocês já devem estar acostumados com coisas assim.

- Quando começamos a lutar pensamos que o medo e a tensão somem com o tempo. - Áquos responde pelo Corvo, já que este permanece calado. - A verdade é que o medo só diminui durante o combate. Mas o tempo nos ensina que temos que aprender a entender a tensão e conviver com ela, ou ela nos vencerá, tornar-nos-á impulsivos e irracionais. E essa é a receita, tanto do sucesso fulminante quanto da derrota por antecedência. A ansiedade não é nossa amiga, mas só será inimiga se deixarmos.

- Entendo...

- Está próximo o anoitecer. - comenta Peter.

- Estabeleçamos algumas regras então. - Áquos completa. - Primeira regra: ninguém se afaste muito do grupo. O resto é óbvio demais para precisar ser citado: ajudar quem precisa quando puder, etc. e tal.

- E o pior é que pode não ser hoje... - a corvo rosa reclama, quase que pra si mesma.

- É hoje. - Todos se viram e vêem Marfim Cobra já de pé. Ninguém percebeu quando ele começou a surgir a partir da energia verde do Punhal das Serpentes. Mas a conversa não pode prosseguir em paz. Gritos rasgam o ar do cemitério, e vêm de várias direções. Eles também não perceberam que havia repórteres dentro do cemitério. Os repórteres, por sua vez, perceberam que não seria bom que o grupo percebesse sua presença.

Todos se olham e partem logo em seguida. Cada um em uma direção. Ninguém falou uma palavra, mas todos pensavam a mesma coisa: "Que droga!" Se não fosse pelos repórteres, eles poderiam continuar juntos, uns cobrindo os outros, melhorando suas chances de sobrevivência. Esse pensamento logo foi esquecido, pois, se não fosse assim, a batalha estaria perdida. E não para os seus inimigos, mas para os repórteres.

A propósito, a grande inquietude era justamente quanto aos inimigos. Quais seriam eles? Marfim e as outras unidades de justiça não ficaram surpresos ao verem que o que "incomodava" os repórteres eram "mortos-vivos". Isso era esperado até. Mas dessa vez não se tratava de esqueletos, mas de zumbis. E eles subiam ao solo e atacavam o que se movesse por perto e não fosse um zumbi também.

O corvo marrom se aproximava curioso. "Por que zumbis?" Sim, em todas as histórias que ele conhecia, zumbis eram mais fracos. Talvez a forma mais fraca de mortos-vivos. Sentia-se já um pouco seguro diante do primeiro deles. Não foi preciso mais que alguns golpes para que ele percebesse o quanto estava errado. Em pouco tempo ele percebeu que zumbis eram apenas "esqueletos com armadura de carne morta". Era ainda pior que esqueletos. Não que a proteção adiantasse contra ele, pois seu punhal alcançava os ossos do morto com a mesma facilidade. Era simplesmente horrível enfrentar mortos-vivos de carne, tão parecidos com vivos e, ao mesmo tempo, com pele e olhos cheios de buracos causados pelos vermes. Inimigos de aspecto tão fúnebre. Contra esqueletos era um trabalho limpo, com zumbis seria simplesmente "horrível".

Rose, em outro canto do cemitério, ativava sua arma contra o primeiro zumbi que encontrava. O zumbi facilmente inflamou mas, para sua surpresa, não caiu por causa disso. Ele veio em sua direção, de forma que, sem outra escolha, o corvo rosa teve que recuar. Apenas cerca de um minuto depois ele caiu, consumido pelas chamas prateadas. O repórter estava muito ferido. O cinegrafista, morto. Mas doze zumbis se aproximavam dela e ela dispara alguns globos de fogo, torcendo para que seus inimigos caiam antes de alcançá-la.

Dos corvos, o único que parece manter uma certa estabilidade emocional na primeira batalha é o corvo laranja. Com sua espada, ele desfere golpes cautelosos. E derruba facilmente os três primeiros adversários de hoje. Só quem pudesse ver através de seu capacete notaria, por uma tensão, que sua cautela não era mais que insegurança. O cinegrafista estava morto, e já há algumas mordidas. Por mais que John quisesse, ele não tem tempo para meditar, pois seu pé é segurado por algo ou alguém. Sem hesitar, John desfere um golpe no solo, e percebe que seja o que for - provavelmente um zumbi - , está embaixo dele. Com movimentos ainda mais cautelosos, ele tenta acertar a mão que o prende. Logo consegue, e salta para ficar a uma distância segura. Calmamente espera que surja uma cabeça no solo... A cabeça em decomposição surge, e o corvo laranja não hesita. Desfere um golpe que define a luta. Mas, ao olhar melhor o solo, nota que incontáveis zumbis ascendem.

Graças ao seu tridente, Áquos se mantém sempre a uma distância segura de seus oponentes mortos-vivos. Embora sua arma apresente um pouco mais de dificuldades em acertar os ossos dos zumbis, que é o que importa. Isso por não ser como uma espada ou foice. Mas ainda assim ele se sai bem. Tem experiência nesse tipo de luta e não sai da pequena estrada calçada, nem tira os olhos de seus limites.

O Corvo também aprendeu que cemitério é um péssimo lugar para enfrentar mortos-vivos, que sobem, e sobem... Também ele procurou abrigo. Primeiro levou seu repórter para cima da capela menor. Depois voltou e continuou a lutar sem sair da estrada. Desferindo golpes e mais golpes com sua espada em chamas prateadas, quanto mais zumbis caem, parece que mais se levantam do além...

Com fúria e um corpo imune aos zumbis, Lunar rasga os corpos frágeis de tais criaturas, arranca suas cabeças utilizando as próprias mãos de pedra. Logo se nota que, mesmo que todos morressem, esse aí ainda teria fôlego para lutar. É alguém que inquestionavelmente sairá vitorioso sobre os que enfrentar, e ileso.

Marfim Cobra luta como se podia esperar. Como um especialista. Com golpes extremamente rápidos, e sucessivos - a essa altura o cemitério está repleto de zumbis -, parece ser o mais rápido dos defensores da vida. Ele está livre para se deslocar entre os zumbis. Isso por sua agilidade. E ele começa a se deslocar como um mergulhador vencendo o empuxo da água. Até o momento não invocou as serpentes do punhal, quão bem está se saindo na luta. E ele se desloca, deixando no chão os corpos mortos. Não é exatamente estranho que ele seja o melhor nessa luta. Está acostumado ao cemitério e seus horrores: sua aparência esquelética confirma isso. Mesmo diante de tanta monstruosidade, ele se sente "em casa".

Imagine-se em um pesadelo pior que os piores filmes de terror do tipo, em um cemitério, à luz da Lua, ora apropriada, ora satânica. Imagine-se rodeado por túmulos à penumbra noturna. Esta cena, por si apenas, aterrorizaria muita gente, embora seja perfeitamente normal. O que dizer então se, para acrescentar um certo tempero, há milhares de zumbis, com seus corpos em decomposição, e você tem certeza de que não são truques de nenhum filme trash, de que são absolutamente reais. Esse era o terror vivido pelos corvos e, diga-se de passagem, até Marfim Cobra, que não é nenhum megalomaníaco, sentia sua dose de temor.

Mas mesmo com esse pequeno temor, Marfim era o melhor nessa luta. E esse pequeno medo não o impediu de se locomover entre tantos mortos-vivos. Mortos-vivos... Ora, mas ele também era um, bem como as outras unidades de justiça. Todos já morreram, e mais: vêm de épocas e lugares onde era comum a magia e a aparição de mortos-vivos era possível. Duas condições que os três humanos não seguem. Mas Marfim avança. Golpe após golpe. Zumbi após zumbi. Nada passa por sua mente, exceto que seria bom encontrar um aliado. Talvez esse precisasse de ajuda. A adrenalina - ele não a produz, mas sua alma sente seus efeitos: seu sangue ferve em suas veias inexistentes - não permite que se pense muito em horas como essa. Principalmente quando o meio chama seus reflexos com fúria.

- Áááhh! - o corvo marrom desfere seus golpes e começa a cansar. Não fisicamente, mas emocionalmente. Esses zumbis não param de vir. Algumas nuvens cobrem a Lua e levam embora a migalha de claridade de que dispunham os guerreiros.

"Mas que..." Desfere alguns golpes. "Não param de chegar zumbis. De onde vêm tanto morto?" Concentra-se na luta, desferindo alguns golpes. "Vou acabar enlouquecendo! ...espere! O que faz aquele zumbi bem-vestido, com... uma máquina fotográfica!?!"

- Eu não acredito!?! - Um desespero toma conta dele. - Morra, miserável! - Apunhalando várias vezes. - Ei, você! Eu não já matei você, seu... - ataca um zumbi que se aproxima. Já à beira da loucura. De milhares de zumbis, talvez muitos se pareçam.

- Calma! Cavalaria a caminho!

- Não... - ele continua derrubando os zumbis que estão mais próximos. - Você não. Por que não o Corvo, ou o do tridente, até a estátua!

Nesse instante caem três zumbis e, detrás deles surge Marfim Cobra.

- Devia beijar meus pés por eu ter aparecido. Ouvi seus gritos. Se continuar assim, vai acabar enlouquecendo.

- Você não percebe? - responde o corvo marrom, sem conseguir disfarçar seu terror. - eles já invadiram a cidade. Quem morre vira zumbi! Olha quanta gente com roupas novas! Isso não vai acabar nunca!

- Calma.

- Como, calma? E, se a gente tá matando zumbis, eles tão morrendo, e vão virar zumbis de novo! Isso não vai acabar nunca...

- Calma. Uma hora isso acaba.

- Uma hora!?!

- Vamos lutar, pois é o melhor que podemos fazer.

Os dois continuam lutando. Os dois que têm punhal como arma. Marfim Cobra continua a desferir golpes rápidos e brutais. Já o Peter, se ia regular, começa a piorar. Desmotivado.

Mas luta ainda. E, vendo a esperança e o heroísmo nos golpes de Marfim, começa a despertar. A presença do paladino esquelético de Kin-Rá, com sua fúria incontrolável, aos poucos o fortalece.

- Aaahhh...

- Rose! - grita Peter.

- Você se vira sozinho?

- Claro!

- Me dá cobertura?

- Claro, mas... - Ele ia dizer que Marfim não chegaria a tempo, mas foi subitamente interrompido pela visão de uma serpente branca de pura energia, que envolvia o herói salvador. Logo em seguida, Marfim Cobra desaparecia junto com a tal serpente, diante dos seus olhos. A distração baixa sua defesa, e ele começa a pensar na própria vida, mas continua lutando.

Marfim reaparece diante do corpo de Rose, já sem a força da pedra. Ao seu redor não há alguns morros de corpos mortos, mas uma área maior, um microplanalto, de corpos incinerados. Mas isso não importa. O que realmente importa é o corpo de Rose no chão, deitada, ou melhor, jogada, rodeada por três zumbis. Um zumbi tenta atingir Marfim pelas costas, e o acerta com suas garras sujas. Mas se balas antes não funcionaram! Não, amigo leitor, as coisas não são bem assim. Vale lembrar que zumbis têm um algo qualquer de sobrenatural. Afinal de contas, são zumbis. Deixemos claro então que as garras agiram em sua força vital. Algo como um arranhão.

Mas depois da cena, isso foi mais do que suficiente para tornar Marfim ainda mais furioso do que antes. Em uma repentina explosão incontrolável de ira, o seguidor do deus-aranha rasga o ar com seu punhal. E com o ar, partes dos zumbis. E ele manuseia seu Punhal das Serpentes como nem a hélice de um avião conseguiria. Para os distantes, de forma fantástica e imponente. Para os próximos, de forma letal.

Marfim prossegue com a luta, com a fúria. Com energia, diriam muitos, suficiente para derrubar todos os zumbis de um planeta zumbi. Mas os zumbis não param de chegar.

- Todo mundo tente voltar para o centro! - É ele. O Corvo. Voando e fazendo sua voz ressurgir dentre todos os berros mórbidos que preenchem o lugar. E ele fica parado girando sua espada no ar, apontando para baixo, para deixar claro onde é o centro. Após algum tempo, voa pelo cemitério em busca de alguém.

Marfim ouve a ordem e parte pra lá. Há algumas montanhas de zumbis próximo ao local que ele deixa. E ainda derruba inúmeros outros no caminho. Finalmente chega, e lá não vê ninguém. Ou melhor, ninguém vivo. Ele luta sozinho contra tantos zumbis - coisa que faz há um bom tempo.

Demora um pouco, mas logo chega Áquos, seguido por Lunar. Os três lutam em resistência dispersa: à distância (uns dos outros) de quem pode se virar sozinho. Demora um pouco para que o Corvo surja com sua péssima notícia.

- Estão todos mortos.

Ele desce e se junta à resistência. Passa um helicóptero, próximo ao chão, filmando a cena, logo vai embora, passa por outras ruas da cidade, onde vultos tombam em passos aparentemente bêbados ou, pelo menos, não naturais.

- É uma pena. Sinto por eles. - Um polegar pressiona o botão Off do controle remoto.

- Nós devíamos estar lá...

- Para morrermos solidariamente... - Gilbert pensa um pouco. Estão no sofá de um apartamento. - Não, obrigado. Tommy foi o único herói. Eu não tenho força para seguir seus passos. Se tivesse lá seria só mais um mártir. Sinto muito por ser humano.

Ele estende a mão e pega mais uma lata de cerveja do isopor. Stevie continua a beber da sua. Antes havia apenas o som da TV. Agora que está desligada, brotam do nada barulhos de golpes, de machado e foice, seu impacto com ossos, e vem a lembrança da morte do corvo amarelo. Não se sabe se os sons lembraram a morte, ou se foi o contrário. O que se sabe é que no fundo há um certo sentimento de culpa por terem fugido. Mas eles não vão voltar.

Na batalha, no cemitério, a luta continua. Marfim começa a se lembrar das palavras de Peter.

"Eles estão morrendo, e vão virar zumbis de novo! Isso não vai acabar nunca! ...isso não vai acabar nunca! ...não vai acabar nunca! ..." A frase se repete e ele começa a perceber o quanto de verdade havia naquelas palavras desesperadas. Ele não precisa ver a cidade para imaginar quantos zumbis deve haver por metro quadrado. e começa a temer a total veracidade daquelas palavras. Seria possível que Fimiq alcançasse seu objetivo sem que eles sequer concluíssem a luta, sem que eles ao menos pudessem sair do cemitério e ver a face do odiado avatar? Ele teme, mas seu punhal ainda luta.

Exatamente no meio do cemitério, entre as duas capelas, há um trapézio formado pelas quatro unidades de justiça. Um quadrângulo, como planejado, sem ninguém dentro. Nenhum inimigo. Reforçando a proteção, há duas montanhas de corpos em cada lado, fazendo com as capelas quatro paredes. Há, em cada parede de corpos, apenas uma passagem, uma porta. E o quarteto, já impaciente, destrói os zumbis, que chegam de forma tão lenta... Como uma torneira pingando. Mal sabem eles que os zumbis já tomaram a cidade, e que soldados estão ao redor dela, armados, desesperados, mas obrigados a impedir que qualquer um saia da área urbana.

O quarteto luta bravamente. Já lutaram por quase toda a noite. Estão agora a oeste das capelas. Lá só existem alguns punhados de montanhas de corpos.

- Ahh! - o grito vem das capelas. - Saiam daqui! Socorro!

O Corvo olha para os outros, com seu olhar naturalmente inexpressivo, mas claramente traduzível. Algo como: "É, tenho que salvar esse infeliz..." Ele voa e avista um zumbi em cima de uma montanha de corpos, próximo a uma capela. Sobre a capela, o repórter que o próprio Corvo salvou anteriormente. E ele o faz de novo, rasgando o zumbi, que cai ao chão.

E o repórter não agradece. Só treme e reza. O Corvo volta ao grupo.

Os únicos que lutam com a força de outrora são Lunar, como previsto, e Marfim Cobra, por estar em seu terreno. Áquos já demonstra sinais de fraqueza. O Corvo, não tanto, mas sente as dores do combate. E o dia já vai nascer. Do sombrio horizonte de concreto brotam os primeiros raios do Sol. O Punhal das Serpentes cai: Marfim desaparece mais uma vez. Mas os mortos-vivos continuam de pé para a infelicidade dos três. - e, por que não dizer, do tal repórter?

Áquos cai sobre seu joelho direito. Apoia-se no tridente. Ergue a cabeça. Três daquela maldita praga estão diante dele. A três passos. ...dois ...um golpe de espada derruba um deles, o outro, e o terceiro.

- Vamos, amigo. - O Corvo estende a mão. Áquos se levanta. Até Lunar começa a se cansar. Seus golpes não são mais tão rápidos...

- Por que o Marfim tinha que ir logo agora?

O Corvo não responde. Vira-se e continua a derrubar os zumbis, que não param de chegar. Isso sem se afastar muito de Áquos, e sem perdê-lo totalmente de vista. Sua espada começa a pesar. Ele estava bom em combate, mas não houve tempo suficiente para uma recuperação total. O leitor deve recordar, certamente, seu estado naquela última batalha...

Não tarda para que o Corvo, assim como já Áquos, passe a lutar só na defensiva. Já é dia claro, e os zumbis continuam a avançar, mostrando-lhes o que os espera se passarem por esse obstáculo. Não é, de forma alguma, tarefa simples vencer um avatar, nem que fosse para um outro avatar. Mas não adianta planejar o futuro se o presente exige total atenção para que possa, bom ou mau, existir um amanhã. Resta Lunar apenas. Ele luta como pode, sem se afastar dos outros dois.

Não vai acabar, dissera aquele corvo antes de morrer. Os zumbis não param de chegar. Lunar está fraco. O Corvo tomba. Áquos já foi várias vezes atingido. É o fim, ao que parece. Pois ao meio-dia a cidade está cheia de zumbis.

- Gafanhotos?!?

Sim, uma grande nuvem de gafanhotos se aproxima. Verdes gafanhotos vêm pouco acima das cabeças mortas. Gafanhotos verdes, conhecidos por alguns como "esperanças". Eles se aproximam do centro da bagunça. O lugar onde se encontram as unidades de justiça, quase fracassadas. Eles se juntam e começam a formar um ser humanóide, que aos poucos se torna um homem um tanto velho.

- O que acharam do meu novo truque?

Os três respondem com silêncio. Só após algum tempo Áquos fala.

- Grande Redry, não podemos apreciar seus truquesinhos agora, desculpe-me a franqueza.

- Sinceramente, que recepção mais... morta! Esperem, vou tentar de novo.

A estranha figura desaparece, como se houvesse se transformado em vapor. De repente, ouve-se um barulho, uma vibração de baixa freqüência, porém intensa. Os que se viram vêem um enorme feixe laranja, de algo como luz, com um toque de matéria, do lado de fora do cemitério, varrendo a rua.

- Hááá! - ele entra destruindo todos os zumbis que estão no cemitério, varrendo seus corpos podres com seu poderoso feixe de energia.

E pára diante dos três.

- E agora, o que acharam?

Com um ar de ironia, o Corvo, já sentado no chão, bate palmas desanimadamente.

- Ah! A propósito, gostei do "grande".

- Grande, Redry, mas não maior que Kin-Rá.

- Não sei porque, mas sabia que alguém havia de dizer isso. Bom, precisam de ajuda?

- Não, só um pequeno favor, Grande Redry. - responde Áquos. - Será que seria possível, por gentileza, varrer da cidade essas pragas?

- Ah, só isso? Não brinca... - Ele se concentra. Alguns segundos bastam para explodir sua luz laranja. Tudo fica laranja, como se houvesse uma neblina dessa cor. Bastam alguns segundos. - Feito. Mas isso me cansou bastante, é bom saberem.

- Oh! Nossos imensos agradecimentos.

- Que nada, foi um prazer destruir essas criaturas. São totalmente contra os meus princípios. ...nem estão vivos! ...nada pessoal. Infelizmente não sou um deus da morte, mas da vida, portanto não posso ajudar vocês a se recuperarem. Realmente adoraria fazê-lo, mas... não dá. Portanto, se não houver mais nada...

- Espere. - o Corvo fala. - Poderia restituir a vida de quatro heróis? ...humanos?

- Talvez. Mas talvez isso me impeça de trabalhar em favor da natureza. Vocês viram o que fizeram com ela?

Os três se olham, aguardando uma resposta definitiva.

- Tudo bem, quem são? Esquece! Eu sei. Sabe de uma coisa? Eu sei que vou me arrepender depois, mas... - Pára um pouco. - Vocês me pediram dois favores, agora é a minha vez de lhes pedir dois outros.

- Tudo bem, diga.

- Vejam se conseguem acabar com aquele miserável Fimiq de uma vez por todas, tá? O outro... Dêem lembranças minhas a Kin-Rá.

Outra explosão repentina de luz laranja. Desta vez tão forte que ofusca os paladinos de Kin-Rá. Uma luz laranja muito clara, quase branca. Ainda enxergando um branco celestial, é possível ouvir vozes. Crianças. Pessoas mais velhas. Choros, gritos de alegria e terror ainda. As imagens começam a ficar nítidas. E surgem diante dos olhos dos três, pessoas se levantando, outras correndo do cemitério, outras ainda se ajoelhando. E os zumbis mais velhos, no chão, como verdadeiros mortos. Tudo foi restaurado.

- Ele se foi. - Comenta o Corvo.

- É. - responde Áquos, contemplando a imagem. - E devolveu a vida de todos os que morreram por causa de Fimiq, nessa leva de zumbis.

- Bom, vamos procurar os outros...

- Ei!

Os quatro estão lá, com seus corpos ilesos e sem as pedras, em fila, lado a lado.

- Podemos ir, então.

Eles se dirigem, os sete, para o lugar de chegada.

Lá, a equipe que os trouxe está ainda um pouco atordoada com tudo o que aconteceu.

----

- Vamos partir. - fala Peter.

----

Eles partem.

- Bem-vindos ao grupo. - o Corvo tenta conversar, para diminuir a monotonia.

- Que... - Rose pergunta, estando perto dele.

- Vocês morreram e voltaram. Como nós.

- Ah! É...

- Como se sente?

- Não sei ainda... Está tudo tão confuso...

- E você, Peter?

- Mais tarde falamos sobre isso, certo?

- John?

- Não dá mais pra mim essa vida.

- O quê? Vai desistir também?

- Não tenho nervos pra coisas desse tipo. Sinto muito, mas não posso mais...

- Tudo bem. Entendo... - "Dava pra ouvir seus gritos de desespero antes de você morrer." - Tommy!?! E você? Você, que morreu há mais tempo. Por falar nisso, esqueci de agradecer por ter salvo a minha vida.

- Nada, o que é isso? - ele responde, com a cabeça baixa. Ergue a cabeça um pouco e o olha. - Sabe de uma coisa? Estou pronto pra outra.

- Assim é que se fala!

Eles finalmente chegam à cidade de origem. Está tudo como eles deixaram. Uma vez lá, são recebidos pela equipe dos Corvos, com grande alegria. ...e surpresa: ninguém imaginou que fosse possível ver Tommy novamente. Mas a festa acaba no momento em que todos se reúnem na sala que existe para esse fim.

- Eu já disse que minha participação acabou. Não vou mais fazer parte desta força. - John deixa a pedra na mesa e volta para sua poltrona, de onde pretende assistir ao restante da reunião.

- O que eu tenho a dizer. - Peter se levanta. - é que estou fora. Não vou mais participar. Quero minhas férias. Aqui na Terra, de preferência; mas no momento aceito férias em qualquer lugar. Não vou mais lutar nessa guerra. É tudo o que tenho a dizer.

Ele deixa a pedra do corvo marrom na mesa, perto das pedras dos outros corvos. Agora é a vez de Rose. Ela não tem dúvidas. Levanta-se e caminha até a mesa. Lá deixa a sexta pedra. Sai da sala, logo atrás de Peter e John. Tommy se levanta. Todos estão surpresos com a cena: o fim da Força Corvo. Ele se desloca até a mesa. Ergue a mão vazia. Toma uma das pedras.

- Eu continuarei a lutar. - ergue a pedra do corvo amarelo. A única que ainda tem dono.

É um alívio para toda a equipe de Kin-R'a. Ainda há espírito guerreiro em alguém. Todos os quatro venceram a morte, mas Tommy foi o único que sabia exatamente o que ia encontrar quando morreu. Ninguém está totalmente feliz, afinal, só há um corvo agora. Mas há uma certa felicidade, pois era o corvo amarelo, que morreu como herói e voltou dentre os mortos. Há uma felicidade que quase se neutraliza totalmente, frente à tristeza. E ninguém está mais feliz que o Corvo.

- Aonde iremos? - ele pergunta.

- Não se preocupe. - Tommy responde. - No tempo em que estive fora descobri isso. Mas fique frio. Temos alguns dias antes da próxima batalha.

Três carros deixam o prédio. O objetivo: levar três pessoas que muito já lutaram, mas a morte lhes abriu os olhos. Eles tentarão retomar suas vidas, mas... Elas nunca mais serão as mesmas. A morte transforma as pessoas. Você talvez imagine quanto. Mas nada poderá impedir as unidades de justiça de lutar. Nem mesmo a própria morte...


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